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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Buceta + um conto ( AUTOR Roberto Menezes)


As nuances do abandono
se escondem no arco-íris
medonho da escuridão
Estou na sala de espera da grande milha há muito tempo. Minha ração está contaminada de gordura saturada. O concreto do chão rachado desenha árvores, que feito búfalos colidem nas paredes que me cerca. Esses galhos insistem e caminham verticais, até se perder a altura dos meus olhos entre pregos e cal. Marco o passo, risco um fósforo e aprendo a engatinhar novos vôos. Escuto os violões por trás do cárcere, eles passam e ainda escuto eles tentando desenhar a cena com a lembrança do que já foram violões. Ou eram gaitas? Ou simples gatos em suas fanfarrices noturnas?
O carvão dos fósforos escurece as pontas dos meus dedos, derrete o plástico, esvazia a caixa de cigarros que comprei e não fumei. Na verdade não fumo. Gosto do desenho do camelo, uma pirâmide e alguns coqueiros. Ou seriam palmeiras o que dá no deserto? Mesmo assim eu acendo os fósforos que, na minha frente, vivem, avivam, ficam vivos por um tempo e apagam em um sopro. No fim, longas cabeças que não cabem mais em corpos magricelas se jogam em rotação e em queda para o chão. Quebram como os copos de cristais que nunca foram ao chão; se quebram na primeira pressão.
O chão da minha cela está preto de cabeças de fósforo que já viveram, avivaram, ficaram vivas por algum tempo, e assim num sopro, largaram o corpo e mergulharam em um vôo trapezista pela linha tênue da parábola do fim. Desenham, então, no meu chão, estrelas negras, que vão aos bocadinhos cobrindo as rachaduras do piso, aquelas árvores que eu seguia e me levava lá para cima, ao aqui, ao alcance dos meus olhos.
Aqui não há espelhos. Apenas paredes. Em uma cela de quatro paredes. Sem espelhos. Ah, há também os meus dedos de carvão que me tatuam sem receio. Na minha pele deixei conselhos, que eu mesmo não leio. Prefiro a brasa do fósforo aceso do que a estática do sermão do eu mesmo de agora há pouco. Se eu saísse daqui tomaria um banho, uma surra de gatos. Jogaria no ralo essas letras que marco em mim como fazem com o gado.
Ouço agora mesmo o som da viola dos gatos, vibra as paredes, mas não racha. Tocam também uma cítara, um pandeiro e derbak. Será que fazem escambo? Trocaria com eles minhas melodias por um pedaço de lua, um milheiro de sol, um saco de sal grosso, alguma carne em algum osso. Doaria toda a bílis, o suco gástrico e o escambau por um cheiro de mar e um passeio estrada adentro. No entanto, se de bem humor esses gatos tiverem, muito que joguem, pelas frestas de minha cela, pela janela que nenhum pássaro aponta, mais um maço de cigarros com o desenho do camelo com a mesma corcova, olhando para o oeste, em pose suína em um pano de fundo egípcio – sem a esfinge, sem o Nilo, sem figurantes gordos que borram saturando todas as minhas fotografias.
Por coincidência ou não
A roupa que doei ao mendigo
Coube mais nele do que em mim     

Por: ROBERTO MENEZES

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