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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Conto de uma escritora do BDE

Almas amarelas*
Por muito tempo eu fiquei sem saber do sexo das borboletas, não que isso não seja interessante, pois não tive o despertar para tal assunto. Outro dia, vi uma borboleta-amarela no barro e tive a impressão que ela sugava o tal. Fui pesquisar sobre elas. Encontrei uma vasta fonte de estudos sobre elas. Então fiquei sabendo que o macho, realmente, suga o barro e a fêmea alimenta-se do néctar das flores; os ovos são colocados nos botões ou folhas jovens. E daí? Como se dá o acasalamento? Encontrei de tudo, menos se há ato sexual ou não. Irei pesquisar mais sobre o assunto.

Claro que não pretendo virar uma especialista em borboletas, o que ficou martelando na minha cabeça é que sobre vários tipos de animais foi fácil saber se há cópula ou não, mas da borboleta não deu. Depois disso fiquei pensando o que isso significou para mim. Vejo gente esbaforida, tratando a vida como prerrogativa da humanidade, vejo gente preocupada com a celulite de certas celebridades e eu... caçando o sexo de borboletas.

Isso diz muito como as pessoas pensam e como elas são. Certa parcela das pessoas que conheço, pessoalmente ou virtualmente, não decide pelo preenchimento das lacunas. Talvez seja algo trançado dentre de suas mentes pela educação para o silêncio. Quando elas ignoram colocam uma pedra bem grande em cima da dúvida. Assim acontece sobre vários temas que surgem durante a vida. É um adubo para a semente da religiosidade. Dúvidas fazem mal à fé.

Certa vez ouvi uma pessoa dizer que os terremotos são obras divinas para sacudir os descrentes. Ela foi inquirida sobre a morte de muitos “crentes” nesses eventos sismológicos. A resposta não foi uma surpresa : “eles morrem por terem a crença errada”. Alguém perguntou se ela como uma pessoa “instruída” nunca tinha ouvido falar em tectônica das placas. Daí veio a martelada no dedo: “os cientistas nunca viram uma placa tectônica”. Essa doeu e a pergunta básica veio de supetão: “e deus, você viu?”. Podemos, sem pensar muito, adiantar a resposta: “está na Bíblia”. Quer dizer: não há chances de debate sério, já que a sentença já foi declarada, o dogma já foi estabelecido mesmo se qualquer evidência forte aparecer.

Pérolas como essa são comuns e o poder do mito é reforçado com os teoshows da televisão. Qualquer lei da física pode ser alterada pela oração, todas a química pode ser transfigurada pela fé, as doenças podem ser extirpadas pelo dízimo e assim por diante.

Um bom debatedor pode perguntar se a ciência está se tornando religião. O rebatedor terá a resposta: o cientista e os que acreditam nela sabem que tudo depende das evidências. Um cientista sério não tem o menos pudor de rasgar suas hipóteses quando aparecem evidências contrárias. Já a fé religiosa não quer sequer ouvir falar em pesquisas, tampouco tratar sua verdade como hipótese. A fé requer aceitação plena mesmo que as evidências sejam fortes o suficiente para ridicularizar o dogma.

Voltando às borboletas. A psicanálise enxerga a borboleta como um símbolo do renascimento. Muitas religiões falam do renascer do indivíduo e algumas levam o termo bem a sério, chegando à reencarnação. Se houvesse a o reencarnar, eu não gostaria de voltar como inseto. Aí pode ser dado início a um bom debate sobre espiritualismo, que muitos confundem com doutrinas espíritas e se assustam em saber que eles próprios são espiritualistas. Aliás a maioria dos “crentes” não conhece a doutrina em que estão inseridos, apenas seguem os rituais e algumas regras cotidianas.

Vou citar um amigo, que denominarei como Seu X, ele era um católico rotineiro. Vivia seu cotidiano sem pensar em questões religiosas, mas tinha em seu ritual domingueiro ir à missa das sete e na saída comprar pães e jogar migalhas aos pombos da praça. Certamente, comungava e fazia coro às rezas. Isso parecia inofensivo para ele, até o dia que descobriu-se no meio de uma pendenga entre setores do catolicismo. O pároco local havia sido excomungado pelo Papa João PauloxII ( juntamente com todos os lefebvrianos). Ele, que era um homem bem conceituado pelos locais, foi colocado na parede, deveria decidir se continuaria seguindo o padre ou se seguiria o Papa. Haviam apaixonados dos dois lados e ele era só um católico por conveniência. Como era de se esperar de uma pessoa com um mínimo de inteligência sincera, debruçou sobre a questão. Foram alguns meses de pesquisas e finalmente a decisão foi tomada: “minha fé feneceu na proporção que minha mente se abriu”. Perdeu vários amigos. Hoje é um bom exemplo de conversão ao ceticismo religioso. Fomos apresentado por um amigo em comum, um kardecista apaixonado.

O meu senso de curiosidade já rendou muitos frutos bons, espero conhecer mais um pouco sobre as borboletas, também já afastou algumas pessoas de mim ( elas não estão fazendo falta nenhuma) e trouxe amizades maravilhosas. Não consigo ter uma opinião sincera sobre algo sem analisar antes. E, ainda mais e mais, acho que esse deveria ser o rumo de toda a educação do indivíduo. Como podemos admitir que nossas crianças sejam bombardeadas por verdades absolutas se, ao menos, terem a chance de saber das outras verdades? Como poderia eu opinar sobre as borboletas, se nem sabia se elas eram divididas em machos ou fêmeas? Ainda não posso falar do sexo delas. Como não sei sobre as seitas religiosas da Micronésia, para avaliar se suas divindades podem ou não competir com outras que tenho o conhecimento? Como os povos que desconhecem Jesus podem ser condenados, por isso, ao inferno eterno ( algumas denominações pregam isso)? Como os “crentes” que morrem nos terremotos poderiam ser castigados por ter uma “fé errada”?




Juleni Andrade

*em várias culturas a borboleta simboliza a alma

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